Suspensão no Alteamento da Barragem de Rejeitos
TCEMG, além de interromper processo de licenciamento, escancara problemas antigos
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) suspendeu, por unanimidade, o licenciamento do segundo alteamento da barragem de rejeitos do Sistema Minas-Rio, da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro. A decisão, publicada em 14 de agosto, não apenas interrompeu o processo de licenciamento, mas também escancarou problemas antigos: o descumprimento de leis, a vulnerabilidade das comunidades e a falta de soluções definitivas para quem vive na zona de risco.
A medida foi motivada pela Lei Estadual nº 23.291/2019, a chamada “Mar de Lama Nunca Mais”, que proíbe obras em barragens com moradores na Zona de Autossalvamento (ZAS). Criada após os desastres de Mariana e Brumadinho, a lei é clara: nenhuma licença deve ser concedida enquanto vidas estiverem em risco. Ainda assim, o projeto da Anglo American avançava, sob análise da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema), cuja reunião teve de ser cancelada após a decisão do TCE.
“Mesmo diante dos impactos econômicos, é preciso garantir que o direito à vida esteja acima da continuidade de qualquer atividade de alto risco”, afirmou o relator, Agostinho Patrus. O Tribunal fixou multa de até R$ 12 mil por dia a gestores estaduais que ignorarem a determinação.
Reassentamento atrasado e contestado
No centro da disputa estão cerca de 400 famílias das comunidades São José do Jassém, Passa Sete, Água Quente, Beco e outras localidades que, há anos, vivem sob ameaça da barragem. O Plano de Reassentamento só começou a sair do papel em 2024, após sentença judicial obrigando a Anglo American a cumprir suas responsabilidades.
Mesmo assim, as negociações foram marcadas por impasses. Passa Sete e Água Quente já tinham planos anteriores (PNO), considerados insuficientes pelas próprias famílias. Jassém sequer tinha um plano e reivindicava um projeto novo, digno e reparador. Apenas depois de pressão judicial e articulação comunitária, a mineradora assinou o Termo de Acordo em novembro de 2024, com participação da ATI Nacab e do Ministério Público. Na prática, a execução segue lenta e as comunidades continuam expostas.
Comunidade ignorada
A situação se agrava em São José do Arrudas. O próprio estudo da mineradora reconhece que o novo alteamento colocaria a comunidade na mancha de inundação. No entanto, até agora não existe plano de reassentamento para os moradores.
Um levantamento encomendado pelo Ministério Público e realizado pelo Instituto Arbo mostrou que a maioria da população não quer abandonar seu território. Isso expõe o dilema: a lei não permite o alteamento sem reassentamento, mas a Anglo American segue tentando avançar sem oferecer alternativas seguras às famílias.
Vidas em segundo plano
A decisão do TCEMG evidencia um cenário recorrente em Minas Gerais: enquanto empresas pressionam pelo licenciamento de grandes empreendimentos, comunidades atingidas continuam lutando pelo básico — o direito a viver em segurança e a permanecer em seus territórios de forma digna.
A barragem de rejeitos do Sistema Minas-Rio carrega não apenas rejeitos de minério, mas também a memória de dois crimes socioambientais que marcaram o Estado. O desafio é impedir que Conceição do Mato Dentro se torne palco de uma nova tragédia anunciada.
Qual é a sua reação?







